Ariene da Silva Joca, 33, sofre com uma inflamação crônica na pele desde a adolescência. Os primeiros machucados surgiram na axila e fizeram com que sua qualidade de vida fosse muito prejudicada. Mesmo indo a diversos médicos, demorou quase 15 anos para receber o diagnóstico de hidradenite supurativa. Ao longo de sua vida, sofreu com autoestima baixa e preconceito na escola. Abaixo, ela conta como enfrenta a condição nos dias de hoje.
“Os primeiros sintomas da doença surgiram na puberdade, mas foi muito difícil descobrir o que era. Os machucados apareceram na axila, doíam bastante e eram semelhantes a uma espinha.
Eu e minha família fomos a diversos médicos, que diziam ser doença do sangue, furúnculo e outros problemas. Cheguei a tomar antibiótico e fiz até cirurgia a laser. Mas nada resolvia e o processo inflamatório só piorava.
Na escola, sofria muito bullying: me chamavam de ‘perebenta’. Tinha muita vergonha, só usava roupa escura e certas atividades, não podia fazer. Muitas pessoas me excluíram e só algumas amigas me acolheram. Eu pensei até em não ir mais para o colégio por conta do meu problema.
Os anos foram passando, segui com as lesões e não recebia nenhum diagnóstico concreto. Até que, em 2018, descobri um médico na minha cidade de Regente Feijó, no interior de São Paulo, que podia me ajudar a identificar o problema.
Quando cheguei no consultório, só de olhar o dermatologista disse que eu sofria com hidradenite supurativa. Por causa da demora do tratamento, a doença evoluiu e já estava no estágio 3.
Estava com alguns nódulos que cicatrizaram e viraram fibrose. Muitos estavam abertos desde quando era criança.
Depois que recebi o diagnóstico, comecei o tratamento pelo SUS e fomos testando diversos antibióticos. Usei o roacutan, mas o remédio fez efeito contrário e, em vez de melhorar, piorou.
Começaram a sair bolinhas em outros lugares do meu corpo. Lembro que elas ‘desceram’ para a mama, coçava, doía e tinha mau cheiro. No meu caso, tinha lesões que precisavam ser drenadas e tinha épocas que precisava até de curativo.
Como esse medicamento não funcionou, comecei a usar um chamado adalimumabe (anticorpo monoclonal) e apresentei melhora nos sintomas. Não tive novas lesões e acho que o ciclo da inflamação ficou mais lento.
Gravidez e piora da doença
No começo do ano passado, já tinha optado por fazer a cirurgia, que promete dar mais qualidade de vida ao paciente. Porém, descobri que estava grávida, tive que parar a medicação por causa do bebê e adiei o procedimento cirúrgico.
Sofri muito durante a gravidez e tive uma piora bem grande. É uma doença que mexe muito com o emocional. As lesões voltaram para seios, nádegas e ombro.
Depois que tive minha filha, voltei ao médico e ele disse que durante o período de amamentação também não é indicado usar o medicamento para a doença. Esperei um pouco e depois de quatro meses que não estava mais amamentando, voltei ao médico para retomar a medicação. Quando tomava o remédio, tinha mais qualidade de vida e até conseguia me exercitar.
Autoestima abalada
Essa é uma doença que mexe muito com o psicológico. Desde a escola, sofria muito e tinha vergonha.
Como sempre estava drenando, ficava um odor ruim e me limitava no dia a dia. Sempre me escondia, andava de camiseta e não usava roupas claras.
Como pensei que não poderia sofrer sozinha e estava em uma época bem depressiva, resolvi fazer um vídeo no TikTok que veio de uma challenge (desafio) que chamava ‘O que quase tirou sua vida’. A doença, por muitas vezes, tirou minha vontade de viver. O vídeo viralizou e apareceram muitas dúvidas e perguntas.
Por meio desse vídeo, muitas pessoas começaram a me perguntar mais sobre a doença e queriam saber o que é.
Até hoje sofro de ansiedade, mas graças ao apoio da minha família e do meu marido, pude seguir. Se a pessoa não tem um suporte familiar e psicológico, ela desiste de viver.
Cirurgia pode ser esperança
Como as inflamações apareceram em outras partes do corpo, sofro muito. Embaixo da axila me limita para pegar coisas em lugares altos, levantar o braço e outros movimentos. A parte mais difícil é não poder trabalhar e não conseguir fazer coisas simples do dia dia.
Às vezes, até para fazer a própria higiene ou ir ao banheiro fica ruim e limita os movimentos. Estou com algumas fibroses, que ainda provocam lesões e doem conforme esticam.
Como não existe cura, o médico disse que a cirurgia pode ser uma esperança para melhorar a doença e dar mais qualidade de vida. A maioria dos pacientes que fizeram o procedimento teve resultado satisfatório.
Por isso sempre reforço que o diagnóstico é muito importante e quanto antes as pessoas puderem descobrir a doença, melhor será e mais qualidade de vida terão.”
O que é hidradenite supurativa?
É uma doença autoinflamatória da pele, particularmente do folículo piloso. Ela é mais frequente em mulheres e durante a puberdade. A condição provoca nódulos e caroços, principalmente na região das axilas, mamas, nádegas e na parte genital.
O diagnóstico é clínico, com exames e investigação de histórico familiar. Assim como ocorreu com Ariene, descobrir a doença pode levar meses e até anos.
Geralmente, surgem pequenas bolinhas, bem parecidas com foliculite, que provocam muita dor e coceira no paciente. Elas são avermelhadas e com aspecto bem inflamatório. Embora seja mais comum aparecerem nas axilas e em regiões mais quentes e úmidas, a condição pode se manifestar em lugares menos comuns, como no couro cabeludo.
A causa é multifatorial e está associada com mutações genéticas e hábitos de vida. Normalmente, pessoas que consomem uma dieta rica em carboidratos têm mais predisposição à doença.
De acordo com a especialista ouvida por VivaBem, 80% dos pacientes que desenvolvem a condição estão acima do peso. Tabagistas frequentes ou que fumaram ao longo da vida também podem ter maior risco de desenvolvê-la.
Ainda não há cura para hidradenite supurativa quando o grau está avançado. A remissão ocorre quando pacientes descobrem a doença logo no estágio inicial. O acompanhamento é multidisciplinar e deve ser feito com dermatologistas, nutricionistas, psicólogos e cirurgiões.
Para tratar e melhorar as lesões, são usados antibióticos específicos que agem na resposta inflamatória. Os pacientes podem ainda recorrer à cirurgia para “brecar” o desenvolvimento da doença e os sintomas.
Quanto mais cedo for o diagnóstico, melhor será a resposta ao tratamento e controle da enfermidade.
Fonte: Maria Cecília Da Matta Rivitti Machado, dermatologista e assessora do Departamento de Dermatologia Pediátrica da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia).