A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) foi condenada a pagar R$ 20 mil por danos morais a Manno Góes, autor da música “Milla”. Ela também foi condenada por danos patrimoniais à editora da música, Malu Edições, mas este valor desta indenização ainda será calculado pela Justiça.
Tudo começou um ano atrás, quando a deputada filmou Netinho cantando “Milla” em um ato pró-Bolsonaro, no dia 1º de maio de 2021 e publicou no YouTube. O coautor da música, Manno Góes, não autorizou o uso político da canção e notificou a deputada. Ela não retirou o video e ele a processou.
A assessoria de imprensa da deputada afirma que ela vai recorrer da sentença, dada pelo juiz Érico Rodrigues Vieira, da 3ª Vara Cível de Salvador (BA).
Como ‘Milla’ foi da Ilha do Sol à Justiça?
Manno Góes pediu à Justiça no dia 7 de maio de 2021:
- Mais R$ 100 mil de indenização por danos morais por usar a música do compositor “com vinculação forçada à ideologia e figura política da ré (Carla Zambelli) sem que sequer fosse lhe dada a oportunidade de opinar ou negar a utilização de sua composição”.
- R$ 100 mil à editora por danos materiais pelo uso da música sem autorização.
- A retirada imediata do vídeo com a música do YouTube, sob pena de R$ 5 mil por dia.
Carla Zambelli só tirou o vídeo do ar no dia 11 de maio, após o juiz concordar em impor uma multa diária de R$ 5 mil caso ele continuasse no YouTube.
O valor da indenização por danos morais foi reduzido. Mas o juiz discordou do argumento de Carla Zambelli de que o vídeo era apenas “informativo, de modo que a sua atuação se deu com a exclusiva finalidade de registrar e divulgar aos seus seguidores a ocorrência da manifestação.”
“Não há como se acolher o argumento de (…) que o vídeo possuía finalidade unicamente informativa, pois se trata de registro de evento voltado à manifestação de apoio à figura política, no caso, o atual Presidente da República, e à defesa de pautas como a adoção do voto impresso e a realização de intervenção militar”, diz a sentença.
“Reconhecido o inegável conteúdo político do vídeo produzido pela parlamentar, há de se respeitar a liberdade do autor de não querer ter a sua composição – e, consequentemente, a sua imagem – associada aos ideais nele defendidos, haja vista a manifesta divergência entre os mesmos e as suas convicções ideológicas”, diz o juiz.
Vendo estrelas caindo, pedindo intervenção militar
A manifestação começou de manhã, terminou só no início da noite e teve pedidos de intervenção militar. Em cima do trio, diante do público com faixas como “Nós te autorizamos, presidente”, Netinho entoou o refrão da música que ficou famosa na década de 1990 na voz dele:
“Ô Mila, mil e uma noites de amor com você / Na praia, no barco, no farol apagado… Lá em Hollywood, pra de tudo rolar / Vendo estrelas caindo, vendo a noite passar”.
Manno Góes não autorizou.
No dia seguinte, ele escreveu no Twitter: “Netinho ontem cantou Milla no ato em que pessoas brancas, na Paulista, gritavam ‘eu autorizo’, para Bolsonaro. Autorizam o quê? Golpe militar? Portanto, eu não autorizo esse débil mental de cantar minha música.”
No dia 2 de maio de 2021, Manno pediu para Carla Zambelli tire o vídeo do ar. “Eu não posso proibir ninguém de cantar uma música minha. O que o autor tem direito é de impedir de que essa música esteja vinculada com uma forma de divulgação que ele não concorde“, disse o compositor ao G1.
A deputada disse ao g1 no dia 3 de maio que estava analisando a notificação com seus advogados e “pensando” no caso por causa do post que ela classifica como “deselegante” no Twitter. “Eu estou pensando duas vezes em tirar esse vídeo e pensando sinceramente, em, entre aspas, ‘ir para o pau’. Porque a forma como ele tratou o Netinho me incomodou muitíssimo”, disse a deputada ao g1. Netinho não quis comentar o caso.
Antes da ação, Manno Góes notificou extrajudicialmente a deputada, pedindo a retirada do vídeo. Ela reclamou de o autor ter chamado Netinho de “débil mental” no Twitter e disse ao g1: “talvez eu não atenda o pedido dele e espere ele me acionar na Justiça”. Ele acionou e teve decisão favorável.
“A deputada cumpriu a ordem judicial ao retirar o vídeo do seu canal oficial do YouTube. Todavia, a grave violação autoral ocorreu. Os danos morais e patrimoniais existiram e deverão ser ressarcidos”, disse Manno Góes ao g1 no dia 12 de maio.
Manno Góes já fez parte da banda Jammil e é autor de diversos sucessos do axé, como “Praieiro”, “Acabou” e “Milla”, composta em parceria com Tuca Fernandes e gravada por Netinho em 1996. Ele diz que não quer barrar Netinho de cantar a música em sua carreira.
O g1 entrou em contato com Tuca Fernandes para saber a posição do coautor sobre o uso da música, e não teve resposta.
“Não é censura. (Netinho) não está impedindo de fazer shows e tocar música para seus fãs. O que não pode é utilizar uma obra com finalidade política. Para isso há uma necessidade de autorização”, diz o advogado de Manno, Rodrigo Moraes, professor de Direito Autoral da Faculdade de Direito da UFBA.
“O que a deputada Carla Zambelli faz é lastimável: uma pessoa que, mesmo que notificada, continua com o vídeo. Uma parlamentar que é a primeira a rasgar a lei de direitos autorais”, diz o advogado.
Carla Zambelli disse no dia 3 de maio que pensava em manter o vídeo no ar, e criticou o uso do termo “débil mental”. “Não se trata ninguém dessa forma. Eu não trato nem meus inimigos dessa forma. Então talvez eu não atenda o pedido dele e espere ele me acionar na Justiça. Aí a gente vê como a gente resolve”, diz a deputada.
Antes de Zambelli comentar o caso, Manno Góes escreveu no Twitter: “Compreendo e peço desculpas a todos por ter usado ‘débil mental’ para me referir ao cantor golpista. Agradeço a todos que me chamaram atenção, mesmo apoiando meu desabafo. Estamos aqui para aprender e melhorarmos como pessoa. É o que quero pra mim: aprender, evoluir, consertar”.
Veja abaixo um vídeo de arquivo em que Manno Góes explicou ao Fantástico a composição de Milla:
Compositor de ‘Milla’ revela se a personagem da música realmente existiu ou não